Nota do autor:
Há tempos atrás, mas precisamente em 2014, um fervoroso torcedor santista previu com exatidão impressionante tudo que está ocorrendo hoje na relação conturbada entre a maioria dos clubes de futebol brasileiro e a mandatária exclusiva dos direitos de transmissão da TV aberta. Sem me alongar, visto não haver necessidade tal a riqueza de detalhes de seus argumentos, destaco um parágrafo importante de uma série de longas postagens desse brilhante santista. Perdi seu contato, todavia, me arrisco a publica-lo sem sua autorização prévia, pois tenho absoluta convicção que ele gentilmente assentaria com prazer esse meu pedido. Em homenagem à Tana Blaze.
Reginaldo Perna.
Como o sistema da Globo e as injustiças esportivas debilitam o futebol de clubes brasileiros
Voltando do picadinho ao macroeconômico, exemplificaríamos que a força econômica dos Estados Unidos está para a do Brasil, como a do futebol de clube europeu está para o futebol de clube brasileiro. O que separou os Estados Unidos e o futebol de clube europeu do Brasil foi primordialmente a justiça, na qual os irmãos do norte tendem a confiar, apesar de muitas deficiências e erros. Uma justiça forte que ao longo das décadas garantiu que os melhores e mais eficientes se impusessem dentro das normas da lei e servissem de motor e exemplo para o progresso, sendo a falência e o descenso dos ineficientes aceita como fato saneado.
Foram lendárias as batalhas dos Estados Unidos contra os trustes, desde o desmantelamento da Standard Oil até as imposições à Microsoft de para que browsers e outros aplicativos de empresas concorrentes pudessem rodar na sua plataforma. Quem no rastro do episódio Netscape viu o homem mais rico do mundo, Bill Gates, entrando nos tribunais como capitalista feroz, para finalmente sair dos tribunais gaguejando, com a sua plataforma aberta e como maior filantropo da atualidade, tem ideia do que é uma justiça potente.
Enquanto que alhures se detonam trustes, no futebol brasileiro segundo a opinião de muitos, se implantou o truste da Globo que concentra numa só mão o poder esportivo, o dinheiro e a (in) justiça desportiva. A CBF teria passado a funcionar como mero departamento da Globo, o que o grande jogador Alex definiu da seguinte forma: “A CBF cuida apenas da Seleção Brasileira. Quem realmente cuida do futebol brasileiro é a Globo” (Lancenet 09/08/2013).
A recente iniciativa da CBF para obter a promessa dos clubes de não irem à justiça comum, foi justificada pelo presidente do Atlético Mineiro Alexandre Kalil (agora ex-dirigente) com “tem muito dinheiro envolvido… Daqui para frente, os 20 clubes não aceitarão demanda de torcida… temos um contrato a cumprir. Não falo de contratinho, é na casa do bilhão“ (Lancenet 06/02/2014). Trocado em miúdos, o clubes teriam obedecido, temendo por suas receitas televisivas (interpretação que os presidentes evidentemente vão negar). Renuncia-se ao direito de qualquer cidadão brasileiro de recorrer à justiça comum para não ser lesado na distribuição do dinheiro televisivo. Cheira a abuso de truste.
Ninguém controla quanto a Globo aufere em publicidade do futebol ou qual a porcentagem que ela repassa aos clubes. O faturamento televisivo dos grandes brasileiros é baixo quando comparado com a Premier League, a Bundesliga e a NFL (futebol americano, anualmente 11 bilhões de dólares anuais).
A distribuição ocorre de forma arbitrária de acordo com o que a Globo considera ser o tamanho da torcida. Cria-se uma situação estática, com clubes de torcida supostamente grande sendo privilegiados nas transmissões ao vivo o que por sua vez gera mais torcida, não havendo qualquer premiação da eficiência esportiva. Para dos clubes privilegiados não há necessidade de melhorias, porque o dinheiro televisivo e os favorecimentos das entidades esportivas são garantidos. Neste sistema a decadência da competitividade do futebol é certa. Não se impõe os melhores, mas os protegidos. O conta-gotas de favorecimentos, acumulados ao longo dos anos, solapa a qualidade do futebol de clubes e torna imensa a distância para o hemisfério norte.
A eficiência em termos de custos-benefícios da Portuguesa no Brasileirão de 2013, que apesar do apito pouco favorável, conquistou o oitavo lugar por saldo de gols, não é premiada, é punida, o clube já perdeu alguns de seus melhores jogadores.
A fraqueza do futebol de clube no Brasil ficou escancarada nos três últimos confrontos entre os campeões brasileiros e africanos, nos quais os clubes brasileiros foram amplamente dominados. O Corinthians, sufocado durante todo o segundo tempo, venceu a partida contra o Al Ahly por sorte. O Internacional e o Atlético Mineiro perderam feio para o Mazembe e Raja Casablanca.
Torna-se evidente a débâcle esportiva do sistema da Globo, com o estado atual do Corinthians, privilegiado também pelos milhões da Caixa Econômica. O time oscilou na zona descenso do Brasileirão de 2013. Nos 38 jogos do Brasileirão de 2013 obteve doze empates de 0×0 e doze resultados de 1×0 ou 0×1. Agora se mostra como um dos piores entre 18 times do Paulista.
Os estádios estão vazios, torcedores temendo as organizadas. As audiências televisivas caindo. Com a tirada de pontos da Portuguesa dezenas de internautas de nível cancelaram o pay-per-view. Está se promovendo a miserabilização do futebol dos clubes brasileiros.
Tana Blaze